É no frio da madrugada que percebo as desvantagens de estar sozinha. Esse coberto fino e velho já não é suficiente para me esquentar. Esse quarto escuro fica iluminado com as minhas reflexões. Tenho saudade do que eu não vivi, sinto falta de quem nunca foi meu. Tento afastar esses pensamentos, mas o frio não permite. Eu quero dormir, olho o relógio no criado mudo, são 3:15, só mais algumas horas de sono. Fecho o olho impaciente, tenho que dormir, mas o sono quer me contrariar. Ele quer me mostrar o que eu deixei para trás, o que o calor do sol evitou que eu lembrasse, a falta que a correria do trabalho não permitiu que eu sentisse. Mas agora eu precisava do que eu neguei que queria.
Estava tão obcecada em mostrar para a sociedade que era auto-suficiente, que não precisava de ninguém para ser feliz, que os pequenos detalhes passaram despercebidos. É bem verdade que eu precisava estudar, por isso deixei de ir a festas, encontros e passeios. Amigos? Nunca soube o que é isso. Namorados? Só serviam para desconcentrar. E a vida seguiu o rumo que eu quis, na faculdade, enquanto a maioria bebia e aproveitava a ‘‘liberdade”, eu me preparava para o mercado de trabalho. Deu certo, hoje sou a patroa dos meus colegas.
Os meus colegas, ou melhor, os meus empregados, são na maioria casados e têm filhos, depois do expediente, eles vão para suas casas aproveitarem suas famílias, assistirem a TV e rirem de coisas bobas. Balada? Para que?! Eles já foram quando eram mais novos. Às vezes eles saem mas é só para desestressar ou passar tempo. Já eu, saio do trabalho, vou em casa, coloco a minha melhor roupa, disfarço as rugas com maquiagem e saio para a noite, em busca de companhia, em busca de algo que nunca tive, em busca de diversão. No calor da night me sinto bem, empolgada. Fico cercada de rapazes lindos e musculosos, com o dinheiro que tenho nunca fico sozinha. E mesmo cercada de gente ainda estou só. O que eu procuro nunca vou encontrar na noitada, eu não consigo comprar o que eu quero, eu nem sequer consigo encontrá-lo.
Quando a noite começa a esfriar volto para casa, assisto alguma comédia romântica, só para me torturar mesmo, como pipoca molhada, tomo um litro de refrigerante e me empanturro de chocolate. Assim são as minhas noites de mulher de meia idade. Deito, inutilmente, na minha cama, sei que não vou dormir. Penso nos problemas da empresa, nos compromissos do dia, no que está faltando na geladeira, penso em como poderia ser diferente, penso em onde está minha família. Rolo na cama, não tem ninguém ali, ninguém para dividir os problemas, para conversar, para me amar. Mais lágrimas escorrem e depois de quase desidratar, finalmente, consigo dormir. Mas esse sono não dura, em poucos minutos acordo com frio, sem ninguém para me esquentar. Insônia, eu preciso dormir. É, sozinha não vou conseguir descansar.
Levanto, vou ao banheiro, ligo a luz. Olho no espelho e vejo uma mulher infeliz, cheia de olheiras, rugas e que não consegue dormir. Mas o que deu errado? Corri atrás de uma vida estável, com qualidade, confortável, onde foi que o plano falhou? Cansada demais para tentar encontrar respostas naquela madrugada gelada, tomo um remédio e volto para cama. Tento evitar pensar em quanto não vem o efeito do remédio. Sei que será uma fuga temporária, quando acordar, irei me arrumar e ficarei impecável. Ninguém vai saber da noite longa que tive, noite que se repetirá amanhã, depois de amanhã e depois. Agora não há nada a ser feito. Nenhum grande amor vai surgir do nada, em alguns anos a menopausa vai chegar e tudo vai piorar, filho só se for adotivo. Mas filho para abandonar depois, eu não quero, não vou saber criar, nem de planta eu consigo cuidar.
Aos poucos, a coberta fina e velha volta a esquentar, deixo as pálpebras pesadas se fecharem, o sono chegou. Estarei livre de pensamentos, ilusões, hipótese e de sonhos. Dias quentes e noites frias, é o meu destino.