Corra. Fuja. Só pare quando estiver segura. Isso é o que minha intuição dizia. Entretanto meu corpo não correspondia. Coração disparado, assustada, estava sendo perseguida mas por quem? Olho para atrás: nada de estranho. As pessoas seguindo o seu rumo, procurando o trem/ metrô que as levariam ao seu destino. Decidindo o que fazer, viro a cabeça para frente e dou de cara com o homem mais horrendo que posso lembrar de ter visto. Com um sorriso frouxo, faltando dentes, olhos vermelhos, barba para fazer, cabelo embaraçado, imundo e exalando um fedor indescritível.
- Oi princesa, tá perdida? Eu posso te ajudar, mas é claro que você terá que pagar. Sabe, você é uma delícinha.
Ele sussurrou próximo ao meu ouvido, passando suas mãos asquerosas no meu cabelo e se aproximando cada vez mais. Eu estava em choque, tremendo de medo e com os olhos lagrimejando quando escuto gritos atrás de mim.
- Ali, ali! É ela!
Ela era eu. Os meus perseguidores tinham me encontrado. Tomada pela adrenalina, meu corpo desperta. Desesperada empurro o homem da minha frente e saio correndo em direção rua. Ao sair da estação meu pulmão se enche de ar, meus olhos cegam com a claridade. Tenho apenas uma fração de segundo para escolher que lado ir. Corro o mais rápido que posso mas meus sapatos parecem ser feito de chumbo, sem fôlego, sinto os meus perseguidores se aproximarem. O que vai ser de mim? Eu vou ser pega. Quando vejo ao longe um carro da polícia e um pouco de esperança revive em mim. Pouco mais de quinhentos metros me separam dos policiais. Repito para mim, só mais um pouco e estarei segura com a lei. Quatrocentos, trezentos. Mais um pouco. Duzentos. Cento e cinquenta...sinto uma mão puxar meu cabelo. E com o resto de força que tenho grito por ajuda. Medo, fome, cansaço. A última coisa que lembro é de bater a cabeça no chão ao lado de um coturno e desmaiar.
Acordo com gritos. Estou em uma sala fechada, sem janelas, fria. Minhas mãos estão amarradas, visto apenas as minhas roupas de baixo. Tenho dificuldade de enxergar, meus olhos estão inchados mas reconheço sem demoras o dono dos gritos. Meu irmão mais novo.
- NÃÃO! PAAARA! O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO? ELE É SÓ UMA CRIANÇA!
As lágrimas pulam descontroladamente dos meus olhos. E uma voz fria responde.
- Ora, ora, ora. Veja! A donzela, ou melhor, a camarada resolveu acordar. Estava com saudade de você, querida.
Aquela voz e aquela risada de novo. Eu me lembro tão bem daquela sala. Sala em que vi meu marido ser torturado e assassinado. Sala em que fui utilizada como tortura. Abusada, surrada, eletrificada. E ali estava meu irmão, jogado no chão, mole, molhado, tão sem vida.
- Pensei que você sossegaria desde o nosso último encontro. Achei que tinha sido bem claro com você. Mas ao que tudo indica, você gostou da nossa recepção. Não sei se você viu mas eu trouxe uma companhia para você, camarada.
- SOLTE ELE! É A MIM QUE VOCÊ QUER!
- Poxa camarada, pensei que ficaria contente com o meu presente...acho que não, né?! Atenderei o seu pedido. GUARDAS! Levem-o daqui.
Vejo meu irmão ser puxado para fora como um animal, sem importância. Começo a soluçar. Tento me acalmar. Sei que o pior ainda está por vim. Talvez meu irmão fique bem, por hora, ele está salvo.
O que acontece agora é tudo muito confuso e os detalhes foram perdidos. Sou puxada pelo cabelo até um tanque de água. Sou afogada algumas vezes, perguntam coisas que não sei a resposta. Ganho socos, ponta-pés, alguns choques. Mais perguntas mas eu não posso responder. Mais socos, alguns tufos de cabelo são arrancados. Prendem-me em uma caixa que me parece mais uma geladeira na qual quase fiquei surda. Repetem as mesmas perguntas; ganham meu silêncio em troca. Mais água.
Cansados me levam de volta para a minha cela. Não consigo dormir, nem comer. As dores me lembram a cada segundo tudo o que passei. As memórias trazem os gritos do meu irmão- onde ele está agora?- e as imagens do meu marido morto. Na manhã seguinte sou levada de volta a sala de interrogatório. Mal consigo andar, pensar, falar.
-Camarada, corra pelo tapete, AGORA!
Balanço a cabeça tentando dizer que não consigo. Porém os soldados me empurram até lá. Quando toco o tapete minha pele começa a queimar. Grito inutilmente. Caio de joelhos e começo a me contorcer. Sinto-me em fogo.
- Calma, calma! Foi só um sonho, está tudo bem! Você está segura.
Em dúvida se posso confiar naquela nova voz, abro meus olhos. Nada dói. Estou em um quarto todo branco. A janela está aberta mas o sol me causa arrepios. Sim, eu estou bem, mas tenho que sair daqui antes que eles voltem.