Levaram. Levaram-me.
Em um sábado à noite. Chegaram tranquilos e a passos largos.
E então pediram, não tudo ou de uma vez.
Talvez por necessidade e não por maldade.
Pediram e eu entreguei. Sem nada dizer, sem nada fazer.
Não se deram conta mas levaram muito mais do que só o celular.
Levaram.
Levaram a minha coragem de sair sem rumo.
Levaram a minha liberdade de só viver.
Levaram a minha esperança de uma sociedade melhor.
Levaram meu tempo, meu trabalho e minha paciência.
Levaram um sonho.
Levaram muito. Mas não tudo.
Deixaram. Deixaram-me.
Deixaram o grito de medo guardado na garganta.
Deixaram a indignação no coração que insiste em palpitar.
Deixaram a desconfiança de todos que se aproximam.
Deixaram uma realidade.
Levaram-me e deixaram-me sem rumo.
Não sei mais se os monstros nas ruas sempre estiveram ali.
Ou se é só uma triste ilusão.
Será só uma mania de perseguição?
Devolvam-me.
Devolvam-me a minha segurança.
Devolvam-me a simplicidade da vida.
Devolvam-me um bom futuro.
Devolva-me quem me encontrar.